patrimônio

Garçom que trabalhou 32 anos no restaurante Augusto conta histórias da vida e do estabelecimento

Camila Gonçalves

Foto: Arquivo Pessoal

Joceli de Assunção Severo, 59 anos, o Severo, é quase um patrimônio da prestação de serviço ligado à vida gastronômica de Santa Maria. Sabe disso quem frequentou tradicional Restaurante Augusto, que fechou no dia 31 de janeiro, depois de meio século em funcionamento. Severo inspirou uma crônica do escritor Fabrício Carpinejar, que o elegeu seu garçom predileto por ser "o único garçom feliz" que ele já viu. Em 32 dos 50 anos de Augusto, Severo conquistou o coração dos clientes, que clamaram por sua contratação em outros espaços da cidade. Nascido e criado em Santa Maria, no Passo da Capivara, deixou muito cedo, aos 22 anos, o meio rural, onde plantava mandioca, milho, feijão e ordenhava as vacas com a família, para se tornar um dos garçons mais famosos da região. Antes do Augusto, ele serviu no antigo Galo de Ouro, onde conheceu a esposa, Neiva Batista Gonçalves, 64 anos, com quem divide a vida há mais de três décadas. No primeiro casamento, Severo teve o filho Diego, 33 anos, que lhe presenteou com os netos, Flávia, 11, e João Henrique, 3.

Diário - O que lhe motivou a escolher a profissão?
Severo - Essa escolha venho por acaso. Um dia, meu irmão me chamou para servir carne nas mesas do restaurante Galo de Ouro, que precisava de funcionários na época. Depois do primeiro dia, o português, o finado Ernesto, que era o dono, disse: "tu vais continuar com a gente". Aí, não parei mais.  


Foto: Arquivo Pessoal
Severo e a esposa Neiva aproveitaram as férias em Tramandaí

Diário - Quando começou a trabalhar no Restaurante Augusto? 

Severo - Eu ainda trabalhava no Restaurante Galo de Ouro, na Avenida Medianeira, quando me ligaram me chamando para trabalhar no Augusto. Recebi o convite por meio do Zé Pedro, um garçom antigo do local. Então, tirei um dia de folga e fiz um teste. Como o Galo de Ouro estava para fechar, fiquei no Augusto por todos esses anos. 

Diário - O senhor tinha uma boa relação com os proprietários do restaurante?
Severo - Eles não eram meus patrões. Eram meus amigos, colegas e irmãos, tanto o velho (Martins), o filho (Augusto Ricardo), como o genro (Marco Antonio Fank), que morreu em um acidente de moto em outubro do ano passado (no acesso ao município de São João do Polêsine). Sempre me dei bem com todos eles. 

Diário - A jornada de um garçom tem muitos desafios?
Severo - Não é fácil trabalhar em dois turnos. O ritmo é tocado ao meio dia e à noite. Naquela rotina, estar em casa com a esposa era raro. Eu era praticamente só visita, já que só tinha uma folga semanal e, aos fins de semana, trabalhava direto. Por último, estava melhor. Porém, quando ficaram boas as folgas, fechou (risos).  

Foto: Arquivo Pessoal
Sentados, a partir da esquerda: Bartholomeu Ceccim, Severo e Roberto Fratton. Em pé, a partir da esquerda: Ricardo Rizatto Filho e Miguel Londero

Diário - Como é trabalhar em um novo restaurante depois de mais de 30 anos no antigo emprego? 

Severo - Fiquei desempregado durante 20 e poucos dias. Na verdade, se eu quisesse, teria voltado antes. Na mesma noite em que o restaurante fechou, recebi convite para trabalhar no Vera Cruz. Hoje, preciso gravar em torno de 700 códigos, já que os pedido são feitos pelo tablete. A gente digita o código e sai lá na cozinha. No Augusto, ainda trabalhávamos com comanda.  

Diário - Quem foram os clientes mais inusitados que o senhor já atendeu?
Severo - Tem a história do Brizola. Ali no final dos anos 1980, início dos anos 1990, ele vinha e levava 40 galetos em um isopor para o Rio de Janeiro. Lembro de atender Ulysses Guimarães, o Lula, artistas da Globo, etc. Teve ainda aquele cantor, o Ed Motta. Ele trouxe a cerveja dele, o vinho, as taças, mas comia bastante. Preparávamos meia carpa do açude do Augusto, lá da Serra, assada no espeto, mais três galetos (risos). Conheci também grupo Os Incríveis, que achou um vinho que só tinha no Augusto. Depois disso, os integrantes pediam a bebida, que encaminhávamos para eles em São Paulo. 

Diário - Qual atendimento gerou a crônica de Fabrício Carpinejar? 

Severo - Eu nem sabia quem ele era na época que o conheci. Tanto é que o atendi do mesmo jeito que os outros. Os caras falavam: "Ah, o Fabrício Carpinejar". Ele falou que eu era o único garçom feliz que ele conhecia. No final da crônica, Carpinejar ainda brinca ao mencionar que descobriu que meu nome era Severo. Até pouco tempo, os conhecidos ainda me diziam: "Tu viu que tu tá no livro?". 

Foto: Arquivo Pessoal
Nas tradicionais momentos pré-abertura dos salões no Restaurante Augusto, em meados dos anos 90

Diário - E afinal, todo garçom é estressado? 

Severo - O trabalho do garçom é puxado. Precisei colocar duas molinhas no coração (risos). Um dia, apaguei por completo. Fui lá no fundo do poço e voltei. Passei 15 dias com sintomas de infarto sem saber. Dava aquela quentura no peito e dormência nos ombros. Eu ficava bem quieto, não falava nada. Não sabia o que era infarto. Diziam que dava dor no peito, mas eu não sentia dor nenhuma. Faz três anos que estive doente. Só me dei conta da gravidade porque desmaiei e a Neiva me levou para o pronto atendimento. Acho que fui salvo por ser conhecido. A médica plantonista anterior, estava saindo para almoçar. Ela estava entrando no carro quando me reconheceu e me perguntou o que houve. Eu estava meio apagado. Fizeram um eletrocardiograma e me encaminharam para o Hospital Universitário. Lá, fui encaminhado direto para a cirurgia.  

Diário - O senhor sempre manteve o bom humor?
Severo - Sempre. Só fui para o Vera Cruz porque os fregueses de lá são os mesmos que frequentavam o Augusto. No Vera Cruz, me disseram: "Não deu para aguentar. Todo mundo perguntava quando é que iríamos trazer o Severo". No primeiro dia, ao me verem, uns cinco ou seis clientes fizeram a maior festa.  

Diário - E quais são os desafios de lidar com o público? 
Severo - Algumas pessoas querem descarregar tudo na gente. Procuro fingir que não ouvi. Faço a minha parte. Pior coisa que tem é chegar em uma mesa e dizer "com licença ou boa noite"e nem te olharem. Então, a gente sai de perto até nos chamarem. São situações que acabamos guardando, principalmente porque magoam.

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